Diplomata do Cariri: jovem de 25 anos é a 1ª mulher da região aprovada no Itamaraty
20/11/2025
(Foto: Reprodução) Padrasto cumpre promessa a Pe. Cícero após enteada se tornar diplomata
Aos 25 anos, Shayana Sarah Andrade Mousinho está fazendo história: será a primeira mulher nascida no Cariri a ingressar na carreira diplomática. Ela foi aprovada no Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD), um dos mais difíceis do Brasil, e vai trabalhar no Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty.
O desafio foi grande: eram 50 vagas para cerca de 9 mil candidatos. “Quando eu recebi a notícia eu não acreditei muito. Na hora, meu olho encheu de lágrima. Contei para minha mãe e para todo mundo, mas eu não estava esperando, foi uma emoção muito grande. Mas eu sei que eu não cheguei aqui por sorte, foi muito esforço”, conta emocionada.
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Formada em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Shayana estudou cerca de oito horas por dia durante um ano e meio. Ela também foi beneficiada pela lei de cotas do concurso, ficando em oitavo lugar entre os 10 cotistas negros.
“Eu me beneficiei de suas ações afirmativas. A primeira, o programa de ações afirmativas de afrodescendentes e a segunda foi a cota para mulheres entre a primeira e a segunda etapa, que apesar de não aprovar no concurso garante que mais mulheres estejam na última etapa do certame porque estatisticamente as mulheres acabam sendo eliminadas na primeira fase que é objetiva. Foi a primeira vez que foi colocada essa cota. Se não fosse por essa cota, eu não teria conseguido”.
Jovem do Cariri é aprovada para trabalhar no Ministério das Relações Exteriores
Claudiana Mourato/SVM
Nesta edição do concurso, 42% dos aprovados foram mulheres, o maior percentual da história do certame.
Para realizar o sonho da diplomacia, Shayana precisou abrir mão de outros projetos, como a carreira de professora substituta na URCA em Iguatu. Mesmo assim, continuou trabalhando: neste ano, conciliou os estudos com o trabalho no Ministério Público em Juazeiro do Norte, já que não podia se dedicar exclusivamente ao concurso.
“Depois da graduação eu fui ser professora de Direito Internacional, aí descobri que meu amor pelo Direito Internacional ia além da sala de aula. Desde 2022 venho pensando nesse concurso. Mas no ano passado foi que comecei a estudar mais sério para o concurso e este ano continuei me dedicando ainda mais, abdicando de muitos outros momentos.”
A mudança para Brasília acontece em dezembro, mas o Cariri não será esquecido, garante Shayana.
“Eu acredito que a política interna e externa tem que ter a cara do seu povo. Não é justo que a política tenha a cara apenas das capitais. Para mim é mais que uma honra representar o Cariri e eu vou levar comigo as minhas raízes, o culturalismo, o regionalismo. Vou valorizar os saberes locais, e claro, o Padre Cícero. O Cariri tá ganhando uma advogada do Padre Cícero lá em Brasília”, diz sorrindo.
Promessa a Padre Cícero
Jovem do Cariri é aprovada para trabalhar no Ministério das Relações Exteriores e padrasto paga promessa a Padre Cícero.
Arquivo pessoal
A fé também esteve presente durante o concurso e com a família. O padrasto, Fabrício de Morais Almeida, fez uma promessa de ir a pé da casa onde a família mora, no Crato, até o Horto do Padre Cícero, caso Shayana fosse aprovada. Ao receber a notícia, ele ficou muito contente.
“O Padim vai me ver, e vai me ver ligeiro!”, afirmou.
A promessa foi cumprida na manhã desta quinta-feira (20). Foram cerca de 12 quilômetros de caminhada, iniciada durante a madrugada.
“Agora é só agradecer por essa conquista. Foi muita luta dela e muita fé no Padim! Ela fez a parte dela e o Padim a dele. Aqui a gente tem muita devoção e vamos continuar firmes e fortes com o Padre Cícero”, reforça o padrasto.
A futura diplomata também destaca a importância da graduação no Cariri. O curso de Direito da URCA está entre os 100 melhores do Brasil no Ranking Universitário Folha (RUF) 2025. Ela visitou o campus do qual fez parte, no Crato, e foi recebida com muitos elogios de estudantes e professores. Eles celebraram a conquista como inédita e inspiradora, especialmente por abrir espaço para mulheres em um ambiente historicamente masculino.
“Ela é uma inspiração para os nossos alunos. Essa aprovação dela é inédita. Ela é percussora na região e serve agora de inspiração para todos. É uma felicidade tê-la como ex-aluna, e que hoje vai ter essa nova carreira diplomática. É uma mulher fazendo parte de um grupo seleto que é composto geralmente por homens”, completa o professor Ulisses Olinda.
A aprovação de Shayana não é apenas uma vitória pessoal, mas um símbolo de transformação social. Ela mostra que políticas de inclusão, dedicação e identidade cultural podem abrir caminhos para que mulheres negras do interior ocupem espaços tradicionalmente elitizados.
“Quando eu falo isso, eu sei que as oportunidades não são iguais para todo mundo. Mas mesmo assim, temos que correr atrás com as armas que nós temos. Mas temos hoje políticas que buscam democratizar o ensino, os lugares de fala para mulheres e minorias. Quando uma pessoa entra num concurso como esse, que é altamente elitista, não deve ser considerada exceção, mas apenas um novo capítulo para que outras pessoas do Cariri, em especial mulheres negras, possam mudar a cara desse tipo de concurso. Eu sei que isso é só o começo. O custo era saber que era possível. Não desistam da educação e nem de seus sonhos. Só a educação salva!”
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