Propaganda que promete dinheiro fácil com bets cresce no Brasil, e especialistas apontam riscos

  • 18/12/2025
(Foto: Reprodução)
Jogos de apostas em expansão no país podem trazer riscos de vício Quem nunca viu a publicidade de apostas online enquanto navega pela internet? Quem passa os stories de redes sociais, quem acompanha feeds, quem assiste a jogos de futebol, quem acessa sites na internet. As propagandas de bets estão em toda parte. Para Letícia (nome fictício), de 23 anos, foi impossível ignorar. “Eu conheci [as bets] através de rede social, principalmente através do Instagram e propagandas no YouTube, aquelas propagandas que sempre aparecem, tipo, site de aposta, link, e, através do Instagram eu descobri vários grupos no Telegram que tinham bônus de aposta". A mulher, que trabalha como recepcionista, conta que “durante os meus 19 até os 23 anos eu só jogava”. Siga o canal do g1 Ceará no WhatsApp A propaganda massiva é um dos pontos de atenção apontados pelos especialistas com relação aos jogos eletrônicos de apostas. A publicidade é permitida desde que não seja considerada abusiva ou enganosa. Para Rebeca Freitas, diretora de relações institucionais do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), a realidade é bem diferente, já que, para ela, a propaganda atual usa artifícios “por meio de uso de influenciadores, patrocínio extensivo de clubes, estádios, propagandas muito massivas em redes sociais, que dão a roupagem de entretenimento inofensivo e podem passar a ser ilusão de ganho fácil”. LEIA TAMBÉM: Vício em apostas atinge milhões e se torna problema de saúde pública Um público, em especial, é mais frágil: crianças e adolescentes. "A gente sabe que existem propagandas abusivas que se aproveitam da própria arquitetura da rede social para atrair esse público, que é um público que pode ser facilmente ludibriado por essas ilusões de ganho fácil por ter, por exemplo, um influenciador que segue, que admira e que pode levar a essa compulsão, essa vontade de apostar mais do que deveria”, afirma Rebeca. Vácuo na legislação brasileira Propaganda de apostas online cresce no Brasil e preocupa especialistas. Reprodução/TV Verdes Mares A falta de regulação e fiscalização mais adequadas à publicidade evidencia um cenário que só pode ser entendido voltando no tempo. Enquanto os jogos físicos de azar, como bingos e cassinos, se tornaram contravenção penal e foram proibidos no Brasil em 1946, as empresas de apostas online se multiplicaram por falta de lei específica e alcançaram o público brasileiro, mesmo sediadas em outros países. “O Brasil acabou virando esse grande mercado, esse grande terreno fértil também pra desinformação, promessas irreais”, explica Rebeca. “Hoje o Brasil é o quinto maior mercado de apostas online do mundo. Então esse dado ele já diz bastante por si só e a gente tem pesquisas que mostram que quatro entre cada dez famílias tem alguém que aposta.” Apenas em 2018, a Lei nº 13.756, de 12 de dezembro, autorizou e legalizou a operação das apostas de quota fixa, popularmente conhecida como bets, no país, que passaram a ser classificadas como uma modalidade lotérica. A regulação efetiva no mercado demorou mais de sete anos para acontecer. Atualmente, as bets são regulamentadas pela lei 14.790/2023 e portarias ministeriais que começaram a valer, de fato, entre 2024 e 2025. “A regulamentação demorou”, enfatiza Alessander Sales, procurador do Ministério Público Federal do Ceará. “Elas operaram durante muito tempo sem uma regulamentação, inclusive durante um período significativo nem tributos recolheram para o Governo Federal. Depois que o Governo Federal fez uma listagem das Bets legalizadas, a regulamentação começou a incidir sobre essas bets.” Ainda assim, para o MP, a atual legislação está longe de ser suficiente. “O controle é muito frágil”, defende Alessander Sales. “Não há controle sobre uma publicidade das atividades patrocinadas pelas bets, não há um controle sobre a publicidade feita livremente em redes sociais. Não há um mecanismo ainda eficiente e unificado para desligamento do apostador e não há também um monitoramento sobre comprometimento patológico do apostador”, explica. Crescimento exponencial e clandestinidade Propaganda que promete dinheiro fácil com bets cresce no Brasil Reprodução/TV Verdes Mares De acordo com a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF), de janeiro a setembro, o país tinha 79 empresas de apostas de quota fixa autorizadas, que operam um total de 184 marcas/bets. Essas empresas reportaram que 21,5 milhões de brasileiros realizaram apostas no período. As empresas legais registraram R$ 27,7 bilhões de receita bruta (GGR), valor que corresponde ao total apostado menos os prêmios pagos. Segundo dados da Receita Federal, de janeiro a outubro, o setor recolheu aproximadamente R$ 7,95 bilhões em tributos federais, incluindo IRPJ, CSLL, PIS/Cofins, Contribuição Previdenciária e os 12% das destinações legais. Por outro lado, desde outubro de 2024, foram bloqueados mais de 25 mil sites ilegais, em parceria com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), entidade fundada em 2023 e que representa cerca de 75% do mercado autorizado brasileiro, afirma que mais de 51% das apostas no âmbito virtual no Brasil operam na clandestinidade. Alessander Sales, do MPF, explica que “nós temos um universo muito maior de bets que não são regulares, que operam por programas de computador, programas próprios e que estão aí espalhadas por todos os territórios, por todos os municípios, principalmente, nas áreas mais pobres, estão sob controle, muitas delas, de atividades criminosas, inclusive podendo estar lavando dinheiro para essas atividades”. Segundo ele, o controle é difícil. “Sempre que é localizado, esses domínios são derrubados, essas apostas são cessadas, no entanto, elas rapidamente criam outros domínios, criam outros lugares na internet e aí acabam voltando à atividade ilícita, então, além dos problemas da atividade lícita autorizada, nós temos muitas ilícitas, operando, viciando pessoas e exigindo das pessoas pagamento das dívidas”. No caso da dependência em bets clandestinas, além de todo o impacto na saúde mental e financeira, existe outro tipo de risco. “Quem fica viciado apostando em um bet não autorizada não tem mecanismo de exclusão para operar, portanto, fica dependente daquele que gere essa plataforma ilícita e aí, quando não tem condições de pagar, não vai para o SPC. Esse acerto de contas é feito diretamente, de forma violenta muitas vezes”, enfatiza o procurador. O que diz a lei Procurador do Ministério Público Federal do Ceará, Alessander Sales afirma que a regulamentação das bets demorou a acontecer. Reprodução/TV Verdes Mares A Lei nº 14.790/2023, conhecida como a "Lei das Bets", estabelece o licenciamento obrigatório das operadoras de apostas junto ao Ministério da Fazenda e também fixa os detalhes dos impostos que essas empresas precisam pagar, uma alíquota de 12% sobre a receita bruta dos jogos (Gross Gaming Revenue - GGR). Os apostadores, pela legislação, têm os mesmos direitos dos consumidores previstos no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. As apostas são proibidas para menores de 18 anos. Beneficiários dos programas sociais do Governo Federal, como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC), também não podem realizar apostas. Quanto à publicidade, os anúncios não podem apresentar as apostas como socialmente atraentes ou como um caminho para o sucesso pessoal ou social. O advogado Leonardo Leal, presidente da Associação Cearense de Defesa do Consumidor, explica que “se a gente pegar o Código de Proteção e Defesa do Consumidor existe uma restrição tanto em relação à publicidade enganosa, pois pode ser considerado enganoso induzir a pessoa a acreditar que ela vai ganhar muito dinheiro quando a probabilidade disso acontecer é muito reduzida ou quase inexistente, e também pode ser considerada publicidade abusiva aquela que induz o consumidor a se comportar de forma prejudicial à sua saúde e à sua segurança”. Atualmente, tramita no Congresso Federal projeto de lei que prevê mais restrições à publicidade nas plataformas de apostas, com a proibição da participação de atletas, influenciadores digitais e artistas nas campanhas. Além disso, duas ações estão no Supremo Tribunal Federal. "Em termos de controle efetivo nós temos no Supremo Tribunal Federal várias questões ainda a serem decididas, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) da Procuradoria-Geral da República pedindo a suspensão dos jogos até uma regulamentação melhor e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da Confederação Nacional do Comércio que sofre muito com a diminuição das vendas no comércio porque o dinheiro é drenado pra essas plataformas e pede também que o Supremo suspenda desse mecanismo até uma melhor regulamentação”, explica Alessander Sales. Para Letícia, que tenta se recuperar do vício, ações assim são fundamentais. “A gente vê propaganda, porque está em toda parte, e isso é muito problemático. Porque chega ainda notificação no meu e-mail, SMS e a gente tem que saber lidar, né? Hoje eu consigo lidar bem com isso, mas há um mês não ficava nenhum dinheiro na minha conta, porque todo o dinheiro que caía era só para jogo”. Em busca de direitos Para especialistas, regulação frágil de bets facilita abusos e práticas de risco Reprodução/TV Verdes Mares O advogado Leonardo Leal explica que o jogador pode procurar a Justiça contra a empresa operadora de apostas se perceber que o jogo utilizou ferramentas de má-fé para induzir ao vício. “Entra em campo tanto a possibilidade do consumidor individualmente se sentir prejudicado, vir a acionar essas empresas, alegando justamente a negligência, a displicência, o descumprimento dos seus direitos legais, mas também existe a possibilidade de defesa no âmbito da coletividade”. Nesse caso, um caminho também pode ser procurar os órgãos de defesa do consumidor, a Defensoria Pública ou o Ministério Público. “Se você vai acessar essa plataforma tem a ciência de que você pode ser dominado por um mecanismo que pode o tornar viciado no jogo. No primeiro sinal de que não está conseguindo parar de jogar, você deve se desligar dessa plataforma. É um alerta fundamental. Se você não se desligar, a sua situação pode sair do controle. Outro alerta, se não está conseguindo se desligar, procure o Ministério Público para fazer essa denúncia. E o que eu aconselho, pessoalmente, é que quanto mais distante dessa atividade, mais seguro, mais saudável você vai estar”, alerta o procurador. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará:

FONTE: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/12/18/propaganda-que-promete-dinheiro-facil-com-bets-cresce-no-brasil.ghtml


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